O aumento de casos e de internações por Covid-19 nos hospitais públicos e privados de São Paulo acendeu o alerta das autoridades de saúde para um período crítico que se avizinha: o das confraternizações e festas de fim de ano.
Segundo os especialistas, não há dúvida de que essa alta dos casos esteja relacionada a um maior relaxamento das pessoas em relação às medidas de proteção e a ida a bares, festas e grandes aglomerações.
“Mobilidade está relacionada a aumento de maior transmissão comunitária. Houve um relaxamento progressivo em diferentes lugares, e esse aumento dos casos e das internações reflete isso”, afirma o infectologista Esper Kallás, professor da USP.
Para ele, a situação vai impor um novo desafio pela frente e as instituições de saúde precisam se preparar para elevar a capacidade de atender pacientes infectados.
“Ainda não dá para prever a magnitude desse desafio, depende de cada região. A região metropolitana de São Paulo ficou em onda pandêmica por nove meses. Agora estava começando cair numa boa velocidade, mas começa a ter uma inflexão para cima de novo.”
O epidemiologista Paulo Menezes, que faz parte do comitê de contingenciamento do governo paulista, afirma que se esse comportamento das pessoas persistir, logo haverá reflexo também no número de óbitos.
“Existe uma banalização especialmente entre os adultos jovens que estão indo para festas e baladas não permitidas. O que eles não sabem é que se trata de uma roleta russa [morrer ou não de Covid-19]”, diz ele.
Segundo Menezes, se os casos continuarem aumentando, haverá grande pressão sobre o sistema de saúde, em um momento em que os leitos públicos destinados à Covid estão sendo desativados. Nas últimas semanas, mais de mil foram fechados no estado de São Paulo.
Ao mesmo tempo, a rede privada registra grande ocupação de leitos por pacientes de outras especialidades que adiaram cirurgias e outros procedimentos no auge da pandemia e que, agora, voltaram a procurar os hospitais.
“Nós nunca enfrentamos um aumento de Covid com um grande aumento de pacientes de outras especialidades. Muitos hospitais não têm como fechar mais leitos para Covid porque estão todos ocupados”, diz Fernando Torelly, superintendente-executivo do HCor (Hospital do Coração).
Na opinião de Menezes, se a alta se mantiver, será necessária uma maior restrição de circulação. Por exemplo, as regiões na fase verde voltariam para a amarela, em que há horário reduzido e menor capacidade de ocupação em comércio, bares e restaurantes.
“É um momento bastante preocupante. Precisamos voltar ao distanciamento que vinha sendo observado até um mês atrás”, afirma Menezes.
O psicanalista Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da USP, diz que, como as regras de distanciamento foram afrouxadas nos últimos meses, muitas pessoas se sentiram à vontade para sair e ir a festas.
Por outro lado, pessoas que ainda mantêm medidas protetivas se sentem acuadas, às vezes até atacadas por adotá-las. “Gera muito constrangimento naquelas que querem manter uma certa racionalidade, prudência.”
Dunker diz que o relaxamento pode vir da percepção de que o vírus está matando menos, que os médicos aprenderam a lidar com a doença e que, ainda que não haja vacina ou tratamento específico, há estratégias terapêuticas para lidar com o paciente.
“Na cabeça de muitas pessoas, isso é credencial para rasgar a máscara, sair para festas. É extremamente preocupante quando a gente pensa na proximidade do Natal e do Ano-Novo”, afirma o psicanalista.
Segundo ele, nesse período de festas de fim de ano a pressão sobre as pessoas que ainda estão cautelosas com os encontros vai se tornar ainda maior. “Já começaram as brigas e os discursos coercitivos.”
Para evitar mais conflitos, o psicanalista defende adoção de protocolos entre os familiares de como todos devem se comportar nas reuniões de fim de ano.
“As escolas têm protocolo, os hospitais têm protocolo, se você quiser fazer festa, que respeite o protocolo, crie um mais adequado para a sua família, para seus idosos, para as suas comorbidades.”
Segundo o epidemiologista da USP Paulo Lotufo, o ideal é que qualquer festa familiar ocorra com número limitado de pessoas, cerca de dez, ao ar livre ou em local bem ventilado, mantendo a distância de pelo menos um metro. “Festança não tem a menor condição de ser feita.”
Vários países já documentaram o risco de festas familiares e de grandes aglomerações para a transmissão da Covid-19. São situações que resultaram em dezenas de casos e, desses, centenas de contágios subsequentes.